Novembro 2021

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130.00

Giclée | Edição limitada | 150 unidades
Hahnemuhle Studio Enhanced Matte 210g
Mancha: 39 x 28,5 cm

Anazanga, os filhos da ilha

Um conto de Luanda sobre a sorte de 3 peixes siameses
Numa noite chuvosa, o pescador Ngabaxi e seu filho primogénito Muxima, desistiram de se fazer ao mar. Ali na ilha de Luanda onde viviam, temeram que, para além da chuva torrencial, as calemas, ondas grandes agitadas, poderiam a qualquer momento engolir ao seu ndongo, ou chata, a canoa baptizada de Anazanga, os filhos da ilha de Luanda, assim registada na Capitania do Porto pela avó de Muxima, o dikota Leão Trungungueiro.

Erika Jâmece

Descrição

Anazanga, os filhos da ilha

Um conto de Luanda sobre a sorte de 3 peixes siameses

Numa noite chuvosa, o pescador Ngabaxi e seu filho primogénito Muxima, desistiram de se fazer ao mar.

Ali na ilha de Luanda onde viviam, temeram que, para além da chuva torrencial, as calemas, ondas grandes agitadas, poderiam a qualquer momento engolir ao seu ndongo, ou chata, a canoa baptizada de Anazanga, os filhos da ilha de Luanda, assim registada na Capitania do Porto pela avó de Muxima, o dikota Leão Trungungueiro.

Naquele ano de 1945, ano em que se dizia ter terminado uma Grande Guerra Mundial, que arrasou muitas nações e dizimou muita gente lá nas bandas da velha Europa e na Ásia. Essa onda de destruição pareceu não ter afetado a costa angolana do Atlântico Sul, na costa angolana, na ilha de Luanda, sobretudo, estava autorizada, registada e legalizada a atividade da pesca artesanal.

“O peixe é a nossa vida. O peixe é a nossa comida”. Estas eram as palavras sábias que mestre Ngabaxi incutia na juventude e rematava exigindo o coro à sua claque: “Kiesse-Kiesse. Alegria- Alegria”.
Também se podia pescar ali com redes de malha fina nas poucas milhas ao seu redor da ilha do Mussulo, mesmo na Ilha do Cabo, incluindo a área circunvizinha do farol da Baía, onde à noite se refletiam as luzes da Marginal e dos prédios, especialmente do Banco de Angola, um edifício emblemático da cidade que já foi uma autêntica pérola do Oceano Atlântico.O velho Ngabaxi sabia de muitas histórias por intermédio dos marinheiros, embarcadiços dos paquetes que atracavam periodicamente no Porto de Luanda vindos de várias metrópoles. Sabia de, por exemplo, notícias e histórias do ano de 1945, que gostava de partilhar até com pessoas que não conhecia bem.

Assim justificava o quão importante era a sua embarcação que tinha esse ano registado na sua matrícula. Uma herança do seu progenitor o dikota Leão Trungungueiro, um homem de mil ofícios no seu tempo: pescador, alfaiate, sapateiro, pedreiro, pintor de residências e tanta coisa, incluindo as atividades desportivas que praticava no Estádio dos Coqueiros. Na luta era bom na baçula e no Kafrique.

Mais tarde, o velho pescador Ngabaxi ouviu falar do Japão, da Tailândia, da Índia, da China e de Macau, na Asia. E disseminava as notícias para os filhos, amigos e vizinhos. Seu filho Muxima tinha que estar sempre por perto, a ver se seu pai não se repetia na tarefa de contar um conto sem acrescentar um novo ponto.Ngabaxi dormiu cansado e sonhou: Era um sonho com o seu falecido pai , de quem sentia imensas saudades. Os peixes ficaram infetados de tal sorte que um dia o avô Leão Trungungueiro , na sua pescaria, ao içar a rede, teria encontrado três peixes muito lindos, vistosos e coloridos, mas quando verificou melhor e percebeu que eles eram inseparáveis, como um só corpo, alarmou-se . Será que ficaram afetados pelas bombas atómicas que foram lançadas no Japão no final da Segunda Guerra Mundial?

O velho Ngabaxi, seu nome de Baptismo Sebastião Miguel da Assumpção, revirou-se no seu leito enquanto sonhava e continuava a ver três peixes muito lindos. Vários tons de amarelos sobre o mar azul? Três peixes? Sim três peixes siameses. Assustado devolveu-os ao mar. Jurou nunca contar esse absurdo da natureza a ninguém. “ Acho que foi um pesadelo”.

Acordou sobressaltado e trémulo. Sentou-se. Pediu um copo de quiçângua à bessangana Fefa, sua mulher, que prontamente o atendeu. E mastigou cola e gengibre. Voltou a beber outro copo de quiçângua.Foi dar uma volta descalço pela praia. O vento soprava ainda a ponto de mover as palmas dos coqueiros. O som das ondas no seu vai e vem. Amanheceu.

O mar continuava agitado, mas a chuva já tinha deixado as suas marcas habituais. As gaivotas e outras aves que habitam nas árvores mais altas da ilha de Luanda já ensaiavam os seus voos matinais de liberdade.Observou seu filho Muxima e alguns amigos que substituíam na embarcação algumas madeiras desgastas pelo salitre e pelo sol escaldante. Depois pintavam-na de vermelho na proa. Todo o resto era de um amarelo luminoso, seguindo as orientações antigas do avô Leão Trungungueiro, fazia naquele dia 3 anos desde que partira para o além, num ritual que se repetia todos os anos pelo mês de Novembro. A velha canoa rejuvenescera. Brilhava. Repintaram de preto, uma tinta marítima mais densa a já lendária matrícula: 003- LD- 1945.

Porquê tanto amarelo, pai? Indagou Muxima. O velho Ngabaxi respondeu logo, sem vacilar: “Se naufragarmos, mais depressa se avistará a nossa canoa sobre o azul profundo do oceano. E não seremos confundidos por peixes siameses. Ou seja: o amarelo é o melhor contraste do azul”.Muxima sorriu. Em seguida pôs-se a pensar nas palavras avisadas do seu progenitor. “O meu velho é um sábio”.- Comentou baixinho para os seus botões.

Dikota, ou kota – Mais velho, ancião.
Kiesse – da língua Kimbundu falada em Angola, significa Alegria.
BAÇULA- Luta tradicional da ilha de Luanda que faz lembrar o judo.Kafrique – Golpe sobre o pescoço e as mãos que neutraliza o adversário.

Erika Jâmece

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